INTEGRANTES

O Coletivo Terra em Cena é uma articulação de coletivos de teatro e audiovisual que atuam em comunidades da reforma agrária e quilombolas e em meio urbano. É composto por professores universitários da UnB e da UFPI, e da rede pública do DF, por estudantes das Licenciaturas em Educação do Campo da UnB e da UFPI/Campus de Bom Jesus e por militantes de movimentos sociais do campo e da cidade. O Terra em Cena se configura como programa de extensão da UnB, com projetos de extensão articulados na UnB e na UFPI, e como grupo de pesquisa cadastrado no diretório de grupos do Cnpq. Um dos projetos é a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do DF (ETPVP-DF) que integra a Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político e Popular Nuestra America.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A produção teatral e audiovisual do assentamento Virgilândia: produção simbólica, mediação e formação



       Quais problemas existem em um assentamento da reforma agrária? Quais relações existem entre os problemas ambientais, os econômicos e os sociais? São interdependentes? São conseqüências das mesmas causas? Qual o futuro da reforma agrária num território cercado pelo agronegócio, pelo monocultivo da cana, que degrada o solo, em que as represas das fazendas esgotam os córregos que passam pelo assentamento? Qual a posição do poder público diante do cerco dos grandes sobre os pequenos produtores? Como era a vida e a organização social das famílias na época do acampamento, e como é hoje?




        Questões complexas, que renderiam temas de pesquisa acadêmica, foram encaradas pelos estudantes da Licenciatura em Educação do Campo da UnB que moram no assentamento e nas comunidades próximas, e pelos estudantes de ensino médio da escola do campo estadual, como uma questão a ser respondida por meio do teatro e do audiovisual.


        Primeiro veio o teatro, apresentado no final de 2011, num evento da escola, chamado Chá Literário. Apesar de simples, a peça era pretensiosa pelo conteúdo a que se propunha tratar: uma denúncia da insustentabilidade da vida no assentamento em função do cerco do monocultivo da cana, que secou a água dos córregos, poluiu o ar com as queimadas, o solo com os agrotóxicos. O final da peça era por demais ingênuo, uma espécie de acordo com o fazendeiro, inverossímil. Estudantes da Ledoc das turmas 2, 3 e 4 passaram a freqüentar os ensaios do elenco de formadores do Terra em Cena, participaram das apresentações, nós apresentamos a peça “Contra quê? Contra quêm?” na escola do assentamento.


        Um ano depois retornamos, no final de setembro de 2012, para ver um ensaio dias antes da reestréia da peça, agora mais encorpada, com trabalho de interpretação. “Luta pela sobrevivência” foi o nome que ganhou a peça. Ao chegarmos, nos surpreendeu ver a turma toda concentrada em exercício de aquecimento coordenado por Fabiane, uma das estudantes da turma 3 da Ledoc. A peça foi apresentada para nós, todo o processo foi filmado. Após o final, iniciamos uma conversa sobre os limites que a opção da forma dramática impunha ao material épico da peça. A explicação sobre a teoria dos gêneros não soou abstrata, pois vinha de encontro a demanda por compreensão sobre quais eram os limites objetivos da estrutura da peça. Para cada limite foi sugerida uma possibilidade épica de resolução do problema, desde a inserção de coros, de imagens dos problemas detectados, de interpretações com distanciamento brechtiano, do uso da ironia, etc. Fizemos laboratórios para construção dos personagens.


        Dias após, o texto da peça reformulado nos foi enviado e ficamos surpresos com o salto de qualidade se comparado a versão inicial. A maior parte das sugestões tinha sido assimilada e ficou evidente a influência da peça “O juiz de paz na roça” (1838), de Martins Pena, que tinha sido trabalhada em seminário sobre teatro brasileiro com a turma 3 da Ledoc.


        No dia da reestréia da peça na escola do assentamento, filmamos com duas câmeras os diversos ângulos da peça. A montagem surpreendeu pelo jogo constante e seguro dos atores com a platéia, pela firmeza da dramaturgia e pela correspondência do elenco em cena. O Fórum teve debate intenso.


        Pela tarde, ao discutimos o que seria o fecho do roteiro do filme “O antes do agora”, que discute a organização social do assentamento, e após rever as filmagens das cenas teatrais ficou claro que o filme poderia terminar com a tomada da cena pela geração adolescente do assentamento, que por meio do teatro chamou a responsabilidade para si, para discutir os impasses e o futuro do assentamento. Os depoimentos colhidos em vídeo da primeira geração, dos fundadores do assentamento seriam o ponto de partida do filme, que pretende contar a história do assentamento desde a fase da ocupação, como foco na dinâmica de organização social que se estabeleceu desde a fase inicial, o esmorecimento posterior, e a atual retomada com a geração adolescente.


        No dia 04 de outubro de 2012 o grupo veio pela primeira vez para Planaltina para se apresentar no seminário “Conexões entre campo e cidade: universidade, reforma agrária e projeto popular para o país”. Com domínio de cena impressionante, se considerado a pouca idade e experiência do elenco, o grupo Arte e Cultura em Movimento fez apresentação que rendeu produtivos debates posteriores. Gideão, estudante da turma 2 da Ledoc, morador do Virgilândia, colheu os depoimentos em vídeo dos adolescentes, sore a avaliação da experiência. Em evidência ficou a percepção coletiva do compromisso de representar o assentamento em espaços externos, e a demanda por estudo para qualificar a apresentação e os debates no momento do Teatro Fórum. Durante a Semana Universitária, novamente o grupo esteve na FUP à convite do Seminário para bolsistas do ensino médio e da Semana Acadêmica do curso de Ciências Naturais. No retorno, os estudantes da
Ledoc foram surpreendidos com a iniciativa dos adolescentes do grupo se reunirem para decidir entre eles a dinâmica de estudo e os critérios de participação no grupo. 


        Um saldo provisório desse processo é o caráter orgânico que o aprendizado pode adquirir quando a instauração de um processo de trabalho coletivo gera demandas pelo conhecimento teórico a partir do aprendizado prático, viabilizado por processo sistemático de socialização dos meios de produção. O trabalho inicial pode ser fruto da experiência empírica, porém, a partir do contato com o legado de determinada tradição estética é possível estabelecer critérios de filtragem e amadurecimento do trabalho. A percepção dos limites da produção, viabilizada pelo contato aprofundado com a tradição, amplia a dimensão do processo formativo, na medida em que consumidores se tornam potenciais produtores das linguagens teatral e audiovisual.



Rafael Villas Bôas
Professor da FUP/UnB
Novembro de 2012

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