INTEGRANTES

O Coletivo Terra em Cena é uma articulação de coletivos de teatro e audiovisual que atuam em comunidades da reforma agrária e quilombolas e em meio urbano. É composto por professores universitários da UnB e da UFPI, e da rede pública do DF, por estudantes das Licenciaturas em Educação do Campo da UnB e da UFPI/Campus de Bom Jesus e por militantes de movimentos sociais do campo e da cidade. O Terra em Cena se configura como programa de extensão da UnB, com projetos de extensão articulados na UnB e na UFPI, e como grupo de pesquisa cadastrado no diretório de grupos do Cnpq. Um dos projetos é a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do DF (ETPVP-DF) que integra a Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político e Popular Nuestra America.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Momento do Terra em Cena aos 3 anos de existência: articulação entre ensino, extensão e pesquisa


PROTOCOLO DE TRABALHO
Data: 29 de abril de 2013

Momento do Terra em Cena aos 3 anos de existência: articulação entre ensino, extensão e pesquisa

No terceiro ano do projeto Terra em Cena começamos a ter noção clara das consequências do projeto, em múltiplas dimensões.
No Ensino, pela primeira vez, com a turma 4 da Ledoc, o programa foi concebido numa dinâmica semelhante a de um coletivo de teatro político. O grupo, estuda, entra em laboratório, planeja ações, e as executa e, além disso, visita outras experiências do Terra em Cena. No dia 27 de abril a turma foi ao assentamento Gabriela Monteiro, sede da Brigada Semeadores, do MST/DFE, o grupo mais antigo do Terra em Cena, que completa uma década em 2013, e assistiu a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso de Adriana Fernandes, uma das integrantes da Semeadores e do Terra em Cena, formanda da turma 2 da Licenciatura em Educação do Campo da Faculdade UnB Planaltina, da UnB. O trabalho analisa exatamente essa trajetória de uma década da Brigada, pela perspectiva da formação por meio da linguagem teatral.
E, em seguida, assistiu a apresentação de um ensaio em forma de leitura dramática da peça “Juiz de Paz na Roça” pelo elenco de formadores do Terra em Cena, composto por Adriana Fernandes, Agostinho Reis, Paola Masioero, Christiane Freitas, Neuza Cezário, Rayssa Aguiar e Rafael Villas Bôas.
No âmbito da formação de grupo, temos nos surpreendido com o interesse de comunidades rurais e quilombolas do raio de abrangência da Ledoc pela demanda de formação de grupos. Recentemente, fomos surpreendidos pela informação de que o assentamento Terra Conquistada, de São João da Aliança (GO), montou um grupo, sob a coordenação de Alessandra Ferreira, da turma 2 da Ledoc, da área de Ciências da Natureza e Matemática. Nos convocam para dar suporte ao grupo e possivelmente faremos isso envolvendo as coordenadoras de um grupo vizinho, do assentamento Itaúna, chamado Consciência e Arte. Ontem um dos estudantes que mora no Assentamento Vale da Esperança, e atualmente exerce a função de diretor da escola do campo de lá entrou em contato informando que eles montaram um projeto de teatro para trabalhar com duas comunidades, a do assentamento Vale da Esperança, e a do assentamento Palmeiras, em que também temos estudantes da Ledoc.
Nos dias 04 e 05 de abril um grupo de cinco formadores do Terra em Cena esteve na Comunidade Engenho II, do Quilombo dos Kalunga, em Cavalcante (GO) e lá ministrou oficina para sessenta pessoas, envolvendo o grupo já formado Arte e Kalunga Matec, integrantes da comunidade do Prata já com a deliberação de iniciar a formação de novo grupo por meio da oficina, e professores de ensino fundamental e médio da escola da comunidade Engenho II. Nessa ocasião pudemos constatar o acerto de nossa opção de reconfiguração do foco do projeto, ao investir mais tempo na formação e consolidação dos grupos nas comunidades do que nos ensaios do elenco central. A oficina foi ministrada por três grupos, cada qual responsável por vinte pessoas, o que garantiu trabalho de qualidade e simultâneo nas três frentes, e nos mostrou que com a formatura da turma 2 já temos uma quantidade considerável de integrantes que adquiriram segurança com a linguagem para o ensino das técnicas, dos jogos e exercícios teatrais.
A Associação Epotecampo, criada pelos estudantes da Ledoc que moram no território do quilombo dos Kalunga, e que já reúne mais de sessenta estudantes, conta com a linguagem teatral como um dos pilares de formação e organização social de atuação da Epotecampo junto as diversas comunidades do território quilombola. Está prevista para acontecer entre junho e agosto uma oficina com o intuito de formação de grupos nas comunidades do Vão de Almas, do Vão de Moleque, além da consolidação do grupo do Prata e da criação de um grupo em Cavalcante, com os estudantes da Ledoc que moram na ou próximos à cidade.
Por mais que tenhamos procurado nos desvencilhar do trabalho com o elenco do Terra em Cena, o esforço concentrado de ensaios para gravarmos para rádio a peça Juiz de Paz na Roça, de Martins Pena (compromisso firmado no ano passado com projeto de Edital universal do Cnpq coordenado pelo professor André Luis Gomes), tem nos levado a novas situações de apresentação como elenco. Decidimos nos apresentar no dia 27 para a turma 4 da Ledoc, para os integrantes da oficina de Teatro do Acampamento Nacional Hugo Chavez, coordenada por Agostinho Reis, e para a militância da Brigada Índio Galdino do MST/DFE, para testar com público presente, nossos ensaios para rádio da peça.
Pelos depoimentos posteriores, me surpreendi particularmente pelo fato da peça escrita na primeira metade do século XIX ainda manter poder de explicitação de contradições da experiência brasileira contemporânea, sobretudo, a respeito da arbitrariedade dos detentores da ordem e o desamparo dos que não a tem garantida, a despeito da lei. Não apenas a estrutura da sociedade brasileira não mudou como também a conjuntura é marcada pelo protagonismo do poder judiciário como flanco de ataque do poder conservador nacional. Há muitas discussões a serem feitas a partir da peça: a questão da atualidade do esquema da dialética da ordem e desordem como traço estrutural da sociedade brasileira, tal qual identificou Antonio Candido no ensaio “Dialética da Malandragem”, ao analisar o romance “Memórias de um sargento de milícias”; a aparição da questão agrária numa peça da primeira metade do século XIX, em contexto de consolidação das fronteiras nacionais, na base de guerras, exploração do trabalho escravo e poder monárquico; a dialética do arcaico e moderno expressa na relação entre roça e corte como espaços antes complementares que antagônicos, etc.
Com a possível montagem da peça entrando em pauta temos sido coerentes com nossa avaliação de que nos faltava contato com a dramaturgia consolidada no Brasil. Por essa perspectiva há um amplo trajeto a ser percorrido, pela trilha que os dramaturgos que abordaram a questão agrária brasileira deixaram para nós: “O escravocrata” (1884), de Artur Azevedo e Urbano Duarte, “O Semeador” (peça do teatro anarquista brasileiro da primeira década do século XX, “A moratória” (1955), de Jorge Andrade, “Mutirão em Novo Sol” (1961) de Boal, Nelson Xavier, entre outros, “Quatro quadras de terra” (1962) e “Os Azeredo mais os Benevides” (1963) de Vianinha.
Caso levemos adiante essa perspectiva de trabalho, que implica num processo de estudo da dramaturgia das peças, de contato com o texto por meio da leitura dramática, e de discussão e elaboração de formas de interpretação e encenação dos textos, temos pela frente um método coletivo de trabalho que nos dará condição de qualificação nas diversas frentes de trabalho da linguagem teatral.
No âmbito da pesquisa e extensão, podemos constatar que há convergências entre a produção teórica, com a presença das questões nas aulas de teatro da Ledoc e nas pesquisas de TCC e a ação em comunidade por meio do trabalho dos grupos. Pretendemos neste ano realizar em setembro uma mostra da produção teatral e audiovisual dos grupos, com ao menos quatro peças e seis documentários, e trabalhar de forma mais sistemática com a produção das peças dos grupos que fazem parte do Terra em Cena, no aspecto da dramaturgia, interpretação e cenografia. E, pretendemos ampliar o trabalho da pesquisa por meio do ProiC, das pesquisas de TCC, e da especialização em Residência Agrária, com as pesquisas do eixo de Cultura, Comunicação e Arte.
Por fim, há desafios de diversas esferas que devemos ter em mente e buscar meios de resolução:
- no ensino da Ledoc, garantir na revisão do PPP do curso que a linguagem teatral possa ter presença ao menos em quatro semestres, como ocorre com Linguística e Literatura, pois o volume de questões a serem trabalhadas (conhecimento básico da história do teatro mundial e brasileiro, domínio de técnicas, exercícios e jogos teatrais, noção de interpretação e encenação teatral, e trabalho com dramaturgia e crítica teatral) não cabe em apenas dois semestres;
- na articulação dos grupos do Terra em Cena, amadurecer coletivamente a compreensão de que é responsabilidade do Estado subsidiar a produção cultural, com a formulação de políticas públicas concretas. Há no Brasil algumas experiências relativamente bem sucedidadas, mas no caso do campo, não há nenhuma diretriz federal, sequer dos estados e municípios que seja voltado para esse segmento. Temos que avançar na formulação das propostas e cobrança por suas implementações;
- na articulação com a Pedagogia da Alternância, aprofundar a articulação do trabalho teatral com o planejamento pautado pelos eixos estratégicos de atuação nas comunidades e escolas, fortalecendo o diálogo com a direção dos diversos movimentos do campo e associações;
- criar condições logísticas para que os grupos circulem entre as comunidades, apresentando suas peças, ministrando oficinas, fazendo seminários, e fortalecendo essa rede de produção teatral do campo e com os grupos urbanos interessados nesse intercâmbio de experiências;
- ampliar os canais de diálogo com as demais linguagens artísticas (música, literatura e artes plásticas) tal como estamos fazendo no trabalho articulado com a linguagem audiovisual em algumas comunidades;
- manter permanentemente projeto de formação dos multiplicadores, com focos no trabalho coletivo teatral, na realização de estudos e apresentações como elenco, e na produção de pesquisas sobre as diversas frentes implementadas.

Conforme combinamos há dois anos, nosso planejamento conjunto vai até, no mínimo, o ano de 2017. Depois reavaliamos o percurso!

Rafael Litvin Villas Bôas