INTEGRANTES

O Coletivo Terra em Cena é uma articulação de coletivos de teatro e audiovisual que atuam em comunidades da reforma agrária e quilombolas e em meio urbano. É composto por professores universitários da UnB e da UFPI, e da rede pública do DF, por estudantes das Licenciaturas em Educação do Campo da UnB e da UFPI/Campus de Bom Jesus e por militantes de movimentos sociais do campo e da cidade. O Terra em Cena se configura como programa de extensão da UnB, com projetos de extensão articulados na UnB e na UFPI, e como grupo de pesquisa cadastrado no diretório de grupos do Cnpq. Um dos projetos é a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do DF (ETPVP-DF) que integra a Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político e Popular Nuestra America.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Se há tanta riqueza por que somos pobres?

Em laboratório do Terra em Cena coletivo VSLT trabalha em nova versão de peça sobre impactos da mineração no território Kalunga.

O coletivo Vozes do Sertão Lutando por Transformação (VSLT), um dos grupos que fazem parte do Coletivo Terra em Cena – programa de extensão e grupo de pesquisa da UnB –  esteve no final de semana de 25 e 26 de agosto em imersão para trabalho de laboratório com a peça sobre as ameaças e consequências da atividade minerária de grandes corporações em territórios de comunidades quilombolas e rurais. A estrutura narrativa da peça reflete sobre a pergunta feita pelo coro no prólogo: “Se há tanta riqueza porque somos pobres?”
O Coletivo surgiu em outubro de 2013 após oficina que o Coletivo Terra em Cena ministrou na comunidade Engenho II para o grupo Arte e Kalunga Matec e outras pessoas interessadas. Atualmente, o grupo é composto por estudantes de diversos semestres da Licenciatura em Educação do Campo da UnB, de comunidades quilombolas Kalunga de Cavalcante e Teresina de Goiás, e por adolescentes Kalungas que moram em Cavalcante e cursam o ensino médio.
A peça já foi apresentada em dois seminários de Tempo Comunidade da Ledoc da UnB na região: em novembro de 2017, em Cavalcante, e em Teresina de Goiás, em maio de 2018. O laboratório consistiu na ampliação da expressão corporal do elenco, por meio do trabalho de composição de imagens cênicas articuladas à declamação de poemas, e na reconfiguração dos elos entre as cinco cenas que compõem a peça, além do prólogo e epílogo. Partimos de exercícios como a Máquina de Ritmo, do sistema do Teatro do Oprimido, para construir um trem com os corpos do elenco, por exemplo. Brincadeiras infantis como João Bobo foram utilizadas na construção de cenas: o movimento desse jogo foi assimilado para descrever em cena o movimento pendulante de uma personagem que é pressionada pela empresa minerária, de um lado, e pela comunidade contrária à retomada da mineração, por outro.
O trabalho cultural em desenvolvimento pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) foi de grande valor para o laboratório que fizemos. Como alguns dos integrantes do coletivo VSLT são integrantes dessa organização, trouxeram para a cena uma das canções (Dragão de Ferro) construídas pela Brigada Nacional Carlos Drummond de Andrade, no período em que esteve trabalhando em Conceição do Mato Dentro (MG), e também disponibilizaram ao grupo vários exemplares do livro Poema Mineral, coletânea de poemas organizada pelo MAM, que agrega pormas de diversos poetas que abordam a questão da mineração. Com esse material à disposição pudemos ler e selecionar poemas de Carlos Drummond de Andrade para incorporar à estrutura da peça. Também incorporamos no texto um poema Haikai, de Infinita Devi, uma poeta e atriz que reside em Cavalcante: “Sangram engrenagens! Morrem paisagens...”
O trabalho com poemas nos demandou o desenvolvimento de uma linguagem corporal que pudesse dialogar com as formas do texto poético, para isso construímos frases coreográficas a partir da dinâmica do mundo do trabalho da mineração, em contraponto à frases inspiradas nas formas de animais da fauna do território ameaçado pela atividade minerária.
Na noite de sábado o elenco se reuniu para assistir ao vídeo “Narrativas de Ferro” feito em parceria do MAM com a cia Estudo de Cena. Uma das integrantes do VSLT, Ana Leda, participou da construção do vídeo e pôde detalhar o método de construção do trabalho, que articula depoimentos de moradores, dados do impacto minerário na região de Conceição do Mato Dentro (MG) e no Brasil, e trabalho com teatro imagem e improvisação dos membros da oficina ministrada para construção do filme. As cenas construídas abordam o medo da comunidade com o risco de rompimento da barragem de rejeitos, tal como ocorreu na cidade vizinha de Mariana, e contaminou 800 km do rio.
A nova versão da peça do VSLT, que agrega à estrutura épica da peça as linguagens da poesia, do audiovisual e da dança  será apresentada no seminário de Tempo Comunidade que ocorrerá entre 21 a 23 de setembro no território Kalunga, em Cavalcante,  e na sequência, no dia 24 de setembro à tarde, no campus de Planaltina da UnB, como parte da programação da III Mostra Terra em Cena e na Tela, atividade que integra as ações da Semana Universitária na FUP.
Participaram do laboratório, além dos integrantes do grupo, os professores da Ledoc e integrantes do Terra em Cena Rafael Villas Bôas, Caroline Gomide e Eliene Novaes.

Rafael Villas Bôas
Coordenador do programa de extensão e grupo de pesquisa Terra em Cena




domingo, 26 de agosto de 2018

Nota do Coletivo Terra em Cena em homenagem a João das Neves


O Coletivo Terra em Cena rende homenagem a João das Neves (1934-2018), um dos principais nomes da história do teatro político brasileiro. João das Neves foi integrante do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, e era um dos responsáveis pelo teatro de rua e pelo teatro de agitação e propaganda (agitprop).  Apesar do golpe ter destruído o CPC, as Ligas Camponesas, o Movimento de Cultura Popular (MCP) João das Neves procurou meios de seguir de forma coerente com seu trabalho como homem de teatro, diretor, formador, dramaturgo, cenógrafo, iluminador, atuando no grupo Opinião de 1964 à 1984 e depois no estado do Acre, no grupo Poronga, longe dos holofotes, coerente com o projeto do CPC, de multiplicar, capilarizar, criar vários focos de produção de cultura política e resistência no país.
Conhecemos João das Neves quando ele veio a Brasília apresentar a remontagem de Arena conta Zumbi, peça do Teatro de Arena, escrita no contexto de resistência ao golpe de 1964 e à ditadura militar e civil. Na versão de João das Neves o elenco era negro, formado por atores e atrizes de Belo Horizonte. O quilombo estava construído no palco, as paliçadas erguidas, como a demarcar que o tempo passou e não passou. Fomos com uma turma da Licenciatura em Educação do Campo da UnB, de maioria quilombola, do território dos Kalunga. Lá fizemos o convite a ele para que se apresentassem no quilombo, o maior do Brasil, com 254 mil hectares. Eles toparam prontamente. Mas depois de muito corrermos atrás com a produção da peça não conseguimos alavancar recursos suficientes para levar o trabalho ao quilombo. Naquele dia, João conversava conosco, na boca de cena, tecia os elos com o passado, do CPC aos dias de hoje, pautava de forma enérgica que é era um trabalhador do teatro, e portanto, precisava lutar pelas condições de trabalho e vida a partir de seu ofício.
João das Neves não parou de trabalhar até a morte. Esteve envolvido com oficinas de formação, com escolas de artes do MST e do Levante Popular da Juventude, transferindo sua experiência para as novas gerações, desfazendo os estigmas e estereótipos sobre as experiências de arte engajada do passado, que colaboraram para o desconhecimento daquelas experiências pela maioria da população brasileira. Que fiquemos com o exemplo de coerência de João das Neves, de Augusto Boal e tantos outros e outras daquela geração, que se empenharam até a morte na socialização dos meios de produção da linguagem teatral e da arte em geral, para que o povo possa utilizar o teatro e a arte como arma, e como queira, como expressão de um direito humano inalienável.

João das Neves presente, presente, presente!