INTEGRANTES

O Coletivo Terra em Cena é uma articulação de coletivos de teatro e audiovisual que atuam em comunidades da reforma agrária e quilombolas e em meio urbano. É composto por professores universitários da UnB e da UFPI, e da rede pública do DF, por estudantes das Licenciaturas em Educação do Campo da UnB e da UFPI/Campus de Bom Jesus e por militantes de movimentos sociais do campo e da cidade. O Terra em Cena se configura como programa de extensão da UnB, com projetos de extensão articulados na UnB e na UFPI, e como grupo de pesquisa cadastrado no diretório de grupos do Cnpq. Um dos projetos é a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do DF (ETPVP-DF) que integra a Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político e Popular Nuestra America.

terça-feira, 2 de abril de 2019

“Posseiros e Fazendeiros” inspira e mobiliza o coletivo Cenas Camponesas


O Cenas Camponesas é um coletivo de teatro político ligado à licenciatura em educação do campo da UFPI/Campus Bom Jesus, fundado e dinamizado por docentes dos cursos e discentes camponeses. Nosso propósito é dispor da linguagem do teatro para estudar o real, nosso maior alimento, e, nele, o humano, conhecendo-nos como trabalhadores, fazedores do mundo e da história. Nesse sentido, nos interessa particularmente compreender a questão agrária brasileira e os atravessamentos à reprodução ampliada da vida do campesinato. Articulada a esta intencionalidade temática, nos organizamos para investigar e nos apropriar dos recursos estéticos mais potentes para expressão e problematização, do ponto de vista da classe trabalhadora, dos processos que marcam a re(existência) camponesa frente ao avanço do capitalismo no campo.
E nos interessa ainda, construir um modo de produção cultural e artístico, que reflita e realce nossa utopia militante: a de contribuir a mudança rumo a uma sociedade de trabalhadores livremente associados.
A escolha que fizemos por remontar a peça Posseiros e Fazendeiros[1] tem a ver com essa identidade política do Cenas e com a compatibilidade entre o nível de complexidade do texto e de amadurecimento do elenco. Nos identificamos com a peça na medida em que ela traz o antagonismo e vínculos entre fazendeiros e posseiros, destacando entre os fazendeiros o capital internacional (Grande Fazendeiro) e explorando ainda as contradições internas a cada fração de classe. Desse modo, logo de cara, notamos que estávamos diante de uma lente dialética para o estudo da região atingida pelo MATOPIBA, onde vivemos. Do ponto de vista formal, a dramaturgia também nos interessou porque apontou caminhos para a experimentação da abordagem épica, especialmente no que diz respeito a cotejar, na encenação, dados da realidade presente e passada, extraídos de jornais, de pesquisas científicas, de relatos do próprio elenco camponês que vive em conflito com o agronegócio.
Quando passamos à objetivação da montagem, notamos ainda que Fazendeiros e Posseiros nos traz uma tese - a de que o conflito entre trabalhadores e capitalistas, que disputam a terra e tudo que vem para fins distintos, é desigual, dada a natureza das armas de cada um. Isso ascendeu nossa curiosidade estética e política, ativou a imaginação do grupo pela questão de fundo que nos colocou: com que astúcia podem os camponeses potencializar suas armas e defenderem-se da sanha do capital, dos processos de expropriação e massacre, intensificados e complexificados no contexto da nova modernização conservadora do país, do avanço do fascismo, do ataque às liberdade políticas e aos direitos sociais, e a reconfiguração das forças produtivas internacionais, desdobrado no modelo de capitalismo dependente brasileiro? Com que astúcia podemos nós, um coletivo amador e popular de teatro, representar a astúcia dos camponeses frente ao vigor e horror de seu inimigo?
Tão fertilizados ficamos, pelo poder do texto e da própria conjuntura (nacional e do Matopiba), nos pusemos a desenvolver dois processos simultâneos e articulados como procedimento de montagem: de um lado realizamos seminários livres de estudo. Voltando ao Brecht (Horácios e Curiácios), percebendo que deveríamos explorar mais as nuances dos personagens em cenas, as incongruências internas dos seguimentos sociais em luta, perscrutar a real natureza e alcance de seus interesses e ações desses sujeitos, nos perguntar sobre qual a raiz e o impacto do negócio de terras, águas, minérios e gentes no sul do PI, olhar para as armas da disputa de fazendeiros e posseiros alertas, pois “em uma coisa existem muitas coisas”. Motivados por fazer da peça um registro da história camponesa no PI, pesquisamos os documentos históricos que registram, dando notícias e detalhes, de como chegamos até o estado de coisas atual: cartas de sesmarias, documentos que da Comissão Nacional da Verdade que ajudam a explicar a relação entre escravismo e cativeiro da terra, que revelam a relação entre ditadura e massacre das organizações camponesas par i passu com seu avanço... Às pesquisas das fontes históricas agregamos a pesquisa musical e o estudo teórico, por exemplo, o da natureza do dinheiro, a derradeira arma dos fazendeiros. Por outro lado, fomos incorporando esses elementos nos processos de formação dos personagens, a partir de laboratórios em que lançamos mão de jogos e técnicas do teatro do oprimido (por exemplo, interrogatório na berlinda). Os seminários e laboratórios culminaram (e têm culminado) no processo de ensaios, durante os quais nos, professores e estudantes, definimos a dramaturgia. Nesta definição têm sido bem influente o trabalho do Coletivo Terra em Cena conta Blusa Azul, e o trabalho do Coletivo Fuzuê com o qual tomamos contato recentemente.
No fim das contas, não estamos remontando exatamente Posseiros e Fazendeiros: tomamos a peça como fio condutor para uma grande experimentação teatral, motivada pelo desafio de contar a questão agrária e camponesa do PI de um jeito que nos faça amar a liberdade, o trabalho e a Vida, e de aprender, tal como disse Nara Leão, a aceitar tudo, menos o que pode ser mudado. A estreia dirá se fomos capazes de informar, comunicar e mobilizar junto público essas questões e emoções tão necessárias na luta em defesa dos territórios camponeses.

            Kelci Anne Pereira



[1] A peça, montada pelo coletivo do MST “Filhos da Mãe...Terra”, sob direção de Douglas Estevam.

Mais fotos: 



Nenhum comentário: