Composição do Terra em Cena

O Coletivo Terra em Cena é uma articulação de coletivos de teatro, audiovisual e artes visuais que atuam em comunidades da reforma agrária, quilombolas e em meio urbano. É composto por professores universitários da UnB, da UFSJ, da UFSC e da UFVMJ, da rede pública do DF, por estudantes da Licenciatura em Educação do Campo da UnB e por militantes de movimentos sociais do campo e da cidade. O Terra em Cena se configura como Programa de Extensão da UnB, com Projetos de Extensão articulados na Faculdade UnB de Planaltina (FUP) e como grupo de pesquisa cadastrado no diretório de grupos do Cnpq. Um dos projetos é a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do DF (ETPVP-DF) que integra a Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político e Popular Nuestra America.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Reflexões de estudantes da LEdoC sobre a VII Mostra Terra em Cena e na Tela

Mostra Terra em cena e na Tela ocupa a Universidade

Vinicius Campos da Silva 

A disciplina de Projeto Experimental em Teatro I ocorreu em conjunto com a 7ª Mostra Terra em Cena e na Tela, que aconteceu entre os dias 26 e 29 de Dezembro de 2025 na Faculdade UNB de Planaltina. A disciplina foi pensada para possibilitar nossa participação no evento construindo a mística de abertura e assistindo às peças, filmes, debates e oficinas. A Mostra Terra em Cena e na Tela é um evento organizado pelo grupo de pesquisa Terra em Cena e reúne grupos de teatro, professores, pesquisadores e estudantes de vários locais do Brasil para apresentar experiências pedagógicas, peças e oficinas de Artes Cênicas e Audiovisual.

Na noite do dia 26, a abertura da Mostra aconteceu com a lavagem da Faculdade UNB de Planaltina e o 2º Sarau da LEdoC, no restaurante universitário, e contou com apresentações musicais e poemas recitados pelos estudantes da Licenciatura em Educação do Campo da UNB. O estudante da LEdoC Tainã Malta, apresentou um desfile com as roupas que ele desenhou, costurou e pintou, e as estudantes da LEdoC foram as modelos das roupas reafirmando nosso espaço e celebrando a cultura quilombola. Também foi apresentada uma cena de teatro muito forte do grupo Cenas Emendadas, que retratava situações de  violência contra a mulher em um relacionamento abusivo que evoluiu para uma cena pesada de feminicídio. O grupo de afoxé Omó Ayó encerrou o dia com muito amor nas mensagens, dança e ancestralidade.

No dia 27 e 28 aconteceram as oficinas de argila corpo e território, cineclube popular, muralismo na restauração de um mural que foi apagado durante uma reforma na Universidade, e iluminação e o trabalho da luz na cena. As duas manhãs de oficinas permitiram a construção de materiais, formações e vivências em diferentes áreas.

As mesas de debates ocorreram na tarde do dia 27 com os temas agroecologia e cultura, e conjuntura e estratégias dos movimentos sociais. Após as mesas o Coletivo Fuzuê apresentou a peça “Toró, ode à natureza ou quando ou crime acontece como a chuva que cai.” Que inspirado em fatos reais, traz questionamentos e contradições do desastre climático, sistemas de violência. Fechando a programação do dia, ocorreu a mostra audiovisual com uma seleção de curtas e longas criados dentro da rede Terra em Cena.

Iniciando a programação do dia 28, o grupo Encena Kalunga, criado por estudantes da LEdoC, apresentou a peça “Padrão”, uma peça de teatro fórum, que mostrou diversas opressões dentro do contexto de uma escola militarizada. A cena e o debate atravessou temas como a reprodução sistêmica do racismo mesmo inconscientemente, soluções como a organização e registro das violências como provas e a importância de uma rede de apoio na superação de situações de opressão. Depois, a mesa de devolutivas de pesquisas de pós-doutorado e de doutorado em andamento, mostrou experiências concretas de práticas pedagógicas e pesquisas contra hegemônicas. A mesa foi composta pelas professoras Ofelia Ortega, Carina Guimarães Moreira, Keyla Morales, Dhenise Galvão, Fernanda Rosas, Simone Menezes e o professor Felipe Canova.

Após a mesa, o grupo de São Paulo, Estudo de Cena, apresentou a peça “Plataforma, um experimento teatral.” Com um cenário muito inteligente, prático e futurista. Duas atrizes viajam em décadas diferentes, passando por diversas revoluções lideradas por mulheres da classe trabalhadora e construindo situações, diálogos e realidades a partir de fotos, que vão desde 1895, com o primeiro filme da história, que retrata “Operárias saindo da fábrica.” A fábrica é dos irmãos Lumière e o filme foi gravado por eles, o patrão filmando as trabalhadoras, que saem apressadas dos turnos exaustivos. A trama viaja no tempo e no espaço de forma épica, trazendo movimentos sincronizados, a fala curta e a troca sincronizada da atenção que é dividida entre as atrizes numa espécie de ritmo que me lembrou uma linha de produção da revolução industrial, juntamente com os sons e movimentos repetidos. A sonoplastia nos bombardeia com sons de notificações de aplicativos, que se misturam com vozes como rádio e tv, causando um desconforto, um super estímulo, que se compara com a experiência dentro da internet e nas redes sociais. A peça fala sobre desumanização e uberização do trabalho, a escala exaustiva de trabalho e relações de trabalho na perspectiva feminina, mostrando experiências reais que deram certo na história, liderados por mulheres, quase que um coro convidando para a organização e mobilização coletiva por melhores condições e realidades de trabalho. De forma engraçada e inteligente somos bombardeados de informações que nos fazem refletir o hoje e o futuro do trabalho.

No último dia da Mostra ocorreu a exposição dos banners das escolas do campo, criando um espaço de troca, de experiências pedagógicas nessas escolas de diversas regiões, construindo uma teia de conhecimentos e vivências. Também aconteceu a mesa “A escola do campo como centro popular de cultura.” Com as professoras Simone Soares, Clarice Santos, Eliene Novaes, Viviane Pinto e o professor Felipe Canova. Encerrando o evento, a Cia Burlesca apresentou a peça “Aurora” baseada na campanha “Sim eu posso” que erradicou o analfabetismo em Cuba, reafirmando o papel da educação como prática libertadora sendo fundamental na organização coletiva para a transformação social.

 

Imagem 1 (Abertura da Mostra e Sarau - 26/11/2025) Fonte: Arquivo pessoal

Imagem 2 (Oficina de cerâmica - 27/11/2025) Fonte: Arquivo pessoal


Imagem 3 (Peça “Padrão”, grupo Encena Kalunga - 28/11/2025) Fonte: Arquivo pessoal

Imagem 4 (Peça “Plataforma”, grupo Estudo de Cena -28/11/2025) Fonte: Arquivo pessoal


 Memória, resistência e coletividade: a mística na educação do Campo.

 Aimê Fernandes Monteiro

Ser estudante da Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) é viver muito mais do que um simples percurso acadêmico é atravessar processos formativos que transformam a pessoa, o corpo, a leitura de mundo, a relação com o coletivo e o entendimento do papel político da educação. É amadurecer, crescer e se redescobrir em comunidade.

Quando entrei na LEdoC, anos atrás, eu não imaginava o quanto essa experiência modificaria minha forma de ser e de estar no mundo. Se alguém me perguntasse, naquele início, se eu gostaria de apresentar uma mística, eu responderia prontamente que não. Eu não me sentia preparada. Meu corpo tremia só de pensar em falar diante de outras pessoas. Eu não tinha domínio da fala, nem confiança, nem coragem para ocupar o espaço que hoje ocupo.

Porém, quase quatro anos depois, olho para trás e vejo que já não sou mais a mesma. A LEdoC me atravessou de um jeito que nenhuma outra formação seria capaz. A mística, que antes me causava temor, hoje se apresenta como uma forma mais suave e transformadoras que vivenciei. Ela não é apenas uma apresentação artística, nem um simples ritual de abertura é um método pedagógico vivo, sensível, político e profundamente humano. Ele nos ensina a aprender com o corpo, com a coletividade, com as emoções, com a ancestralidade e com os símbolos que trazemos da vida.

Na disciplina de Teatro, compreendi de forma ainda mais concreta como a mística pode ser um instrumento de formação crítica. A nossa mística foi construída como um verdadeiro debate político, trazendo temas urgentes para o centro da discussão. Elaboramos uma apresentação que dialogava diretamente com as vivências cotidianas, com símbolos carregados de sentido e com aquilo que atravessa a realidade das pessoas que constroem a educação do campo.

Cada objeto utilizado tinha significado; cada gesto representava uma dor, um questionamento, uma memória ou uma resistência. Parte da apresentação envolveu leituras de jornais das últimas vivências, trazendo para o palco temas que estavam em pauta no país como a a repercussão da prisão de Bolsonaro, a segunda macha nacional das mulheres, as discussões ambientais e políticas em torno da COP30, além de reflexões sobre como esses acontecimentos atravessam o campo, a educação, as comunidades rurais.

Essa construção deixou evidente que a mística não é apenas um momento  de distração ela é um ato pedagógico de resistência, de consciência política, de formação crítica e de fortalecimento coletivo. Ao mesmo tempo em que exige entrega emocional, nos ensina que aprender não se limita ao racional  aprender é também sentir, elaborar, representar, simbolizar, denunciar e anunciar.

Ao atravessar essa formação, tornei-me uma mulher que estar aprendendo a não tem medo. Não ter medo de apresentar uma mística, de falar diante de uma sala cheia, de atuar em uma peça de teatro ou de expressar posicionamentos políticos quando necessário. O teatro na LEDOC não transforma apenas a técnica; ele transforma a pessoa por completo. Ele nos desloca, nos desafia, nos provoca e nos prepara para ocupar espaços que antes pareciam impossíveis.

Na minha turma, Lélia Gonzalez, vejo claramente como esses processos impactam cada estudante. O crescimento político, psicológico, emocional e social ficou ainda mais evidente durante a sétima Mostra Terra em Cena. Ao longo daquela semana, me permiti observar o percurso de cada colega. Percebi olhares diferentes, posturas mais seguras, discursos mais firmes e corpos que aprenderam a se expressar com significado.

Cada mística, cada cena de teatro, cada debate e cada símbolo revelava transformações que, por vezes, só são perceptíveis quando paramos para olhar com cuidado. E, naquele momento, compreendi uma das maiores lições da LEdoC: ninguém se forma sozinho. Nós nos formamos no encontro com o outro. Nós nos formamos um com o outro.

As experiências no audiovisual ma disciplina Experimento em audiovisual produção e finalização. também foram marcantes e ampliaram a minha compreensão sobre linguagem, crítica social e expressão criativa. Nas aulas do professor Felipe Canova, trabalhamos filmagens centradas em temáticas sobre moralidades da LEdoC, explorando como as narrativas se constroem a partir de vivências reais, do território, do campo e das relações que estabelecemos dentro e fora da universidade. Foi um exercício de observação, sensibilidade e análise política, porque filmar não é apenas registrar é interpretar, escolher o que mostrar, o que silenciar, o que enfatizar e o que denunciar.

Além disso, as oficinas oferecidas durante as vivências intensivas demonstraram o quanto a LEdoC é inclusiva e aberta à diversidade de saberes. As oficinas de barro, audiovisual e cerâmica proporcionaram momentos de descanso mental, lazer e expressão artística. Elas nos lembraram que o processo educativo também passa pelo fazer com as mãos, pelo toque, pelo silêncio, pela criação coletiva e pela ludicidade.

Uma das experiências mais simbólicas foi a oficina de muralismo, que possibilitou a restauração de um painel que havia sido apagado pela própria faculdade. Esse gesto se tornou um marco ao repintarmos o mural, afirmávamos que nossas memórias, lutas e existências não serão apagadas. Podem tentar apagar nossa história, mas não conseguirão. Onde houver apagamento, haverá reconstrução. Onde houver silêncio imposto, haverá voz. Onde houver tentativa de invisibilização, haverá reafirmação.

Durante toda essa trajetória, percebo que a formação na LEdoC é integral. Ela toca a mente, o corpo, as emoções, a política e a coletividade. É uma formação que não separa teoria e prática, razão e sentimento, indivíduo e comunidade. É um espaço onde aprendemos com o outro, para o outro e pelo outro. Um lugar onde cada pessoa carrega consigo uma parte do processo coletivo.

Estar na LEdoC é aprender que educação é luta, é memória, é resistência e é afeto. É acreditar que um projeto de país mais justo começa pela valorização dos povos do campo, de suas histórias e de seus modos de vida. É reconhecer que o conhecimento se faz no território, na experiência e no encontro.

Hoje, ao olhar para minha própria trajetória, percebo que deixei para trás aquela mulher que tinha medo de se colocar no mundo. A LEdoC me transformou. Me deu voz, corpo, coragem, consciência política e uma comunidade. 

Aimê filmando a 7º Mostra em tarefa da disciplina Processo experimental em audiovisual 1. Foto: Adonai.

Reconstrução do painel apagado na reforma do alojamento, em oficina de Muralismo com os professores Felipe e Ofélia. Foto: Aimê Fernandes


Mística da 7ª Mostra Terra em Cena e na Tela. Foto: Rafael Villas Bôas


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