INTEGRANTES

O Coletivo Terra em Cena é uma articulação de coletivos de teatro e audiovisual que atuam em comunidades da reforma agrária e quilombolas e em meio urbano. É composto por professores universitários da UnB e da UFPI, e da rede pública do DF, por estudantes das Licenciaturas em Educação do Campo da UnB e da UFPI/Campus de Bom Jesus e por militantes de movimentos sociais do campo e da cidade. O Terra em Cena se configura como programa de extensão da UnB, com projetos de extensão articulados na UnB e na UFPI, e como grupo de pesquisa cadastrado no diretório de grupos do Cnpq. Um dos projetos é a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do DF (ETPVP-DF) que integra a Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político e Popular Nuestra America.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Terra em Cena: teatro, audiovisual e artes visuais na Educação do Campo

 O Coletivo Terra em Cena se organiza no campus de Planaltina da UnB como uma ação extensionista desde 2010, primeiro como projeto e depois como programa de extensão com várias ações articuladas. Começamos essa história porque notamos que para fortalecer a formação estética e política das/dos futuras/os professores/as do campo era necessário estender a experiência de trabalho com as linguagens artísticas para o período em que nossas/os estudantes estão atuando em suas comunidades de origem, no que denominamos Tempo Comunidade. Desta forma, as turmas da Licenciatura em Educação do Campo poderiam protagonizar experiências formativas e pedagógicas envolvendo escolas e comunidades camponesas e quilombolas.

 

O curso em que atuamos forma por áreas de conhecimento, habilitando em Linguagens, Ciências da Natureza e Matemática, e organiza-se em dois eixos metodológicos durante o Tempo Comunidade: o de Inserção Orientada na Escola (IOE) e o de Inserção Orientada na Comunidade (IOC). Nesse contexto, compreendemos que o Terra em Cena colabora para que as linguagens artísticas e a cultura se articulem com processos de formação e organização social, estabelecendo os elos entre educação popular, cultura popular e comunicação popular, tanto buscando a formação de lideranças populares quanto a socialização dos meios de produção das linguagens artísticas para o fortalecimento das lutas camponesas e quilombolas.

 

Desde então diversos coletivos foram criados nas comunidades em que atuamos: a Brigada Semeadores, junto ao MST/DFE (2003-2013); o grupo Arte Kalunga Matec (2010), na comunidade Engenho II do quilombo Kalunga; o grupo Consciência e Arte (2011), no assentamento Itaúna; o Coletivo Arte e Cultura em Movimento (2011), no assentamento Virgilândia (GO); o grupo Vozes do Sertão Lutando por Transformação (VSLT), em Cavalcante (GO); o Coletivo Cenas Camponesas (PI). Em 2023, foram fundados o grupo Ledocênicas, por estudantes da LEdoC que residem nos arredores de Planaltina em 2023; e o grupo Jiquitaias, das comunidades quilombolas Kalunga Diadema e Ema, do quilombo Kalunga, em Teresina de Goiás (GO). Temos, ainda, o próprio Terra em Cena, que, em diversos momentos dos seus 14 anos de existência, atuou como elenco, montando peças de construção própria, como “Contra quê? Contra quem?” (2010), ou versões adaptadas de obras de referência do teatro político, como “Mutirão em Novo Sol” (2011 e 2012), além de realizar encenações para rua e versões audiovisuais de cenas de um grupo de agitação e propaganda soviético chamado Coletivo Blusa Azul, que atuou entre 1923 a 1927 na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), no âmbito do projeto Terra em Cena Conta Coletivo Blusa Azul (2017). Além disso, as produções coletivas de murais no campus de Planaltina e nas escolas do campo, assim como a criação de documentários por estudantes da LEdoC sobre seus territórios de moradia são resultados da práxis de nosso coletivo.

 

As disciplinas da Licenciatura em Educação do Campo ministradas por docentes do Terra em Cena se articulam às demandas organizativas, pedagógicas e políticas do curso: para o seminário dos 15 anos da LEdoC, a disciplina “Fundamentos Básicos das Artes Plásticas” produziu estandartes com os nomes das turmas do curso, que são nomes de pessoas que se destacaram na luta pela democracia e pela reforma agrária. As figuras destas pessoas foram gravadas nos estandartes por meio da técnica do stencil. Para as atividades da comissão de divulgação do vestibular da LEdoC, em 2024, a disciplina de “Oficina Básica de Artes Cênicas” (OBAC) construiu cenas de Teatro Fórum e de Teatro de Agitprop para serem apresentadas em escolas, comunidades camponesas e quilombolas, bem como em acampamentos e assentamentos da reforma agrária, no momento em que a comissão de divulgação do vestibular fazia o chamamento para o curso e explicava a forma de seu funcionamento.

 

Ao longo de 14 anos, organizamos cinco edições da Mostra Terra em Cena e na Tela, no DF, GO e PI, e, em 2024, faremos a VI edição da Mostra, na cidade de Cavalcante, em Goiás. O método de preparação para as Mostras envolve o processo de apoio, pelos formadores/as do Terra em Cena, aos grupos parceiros da Rede Terra em Cena, acompanhando-os em ensaios preparatórios às apresentações e debates durante as Mostras. Também realizamos curadorias e processos de produção audiovisual junto aos coletivos parceiros do Terra em Cena e organizamos práticas de criação e pintura coletiva de painéis e murais, visando expressar a identidade, a cultura e a resistência dos povos e comunidades camponesas nas paredes dos territórios por onde a Mostra passa.

 

O Terra em Cena trabalha de forma articulada com as dimensões do ensino, da extensão e da pesquisa. Desde 2016 somos também um grupo de pesquisa cadastrado no CNPQ. E desde 2017 criamos, em parceria com alguns coletivos e movimentos sociais, a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do DF. Publicamos dois livros coletivamente e muitos artigos, monografias, dissertações e algumas teses foram escritas envolvendo os temas, questões e experiências desenvolvidas pelo Terra em Cena. Os livros “Teatro político, formação e organização social” e “Cultura e Política: narrativas da Escola de Teatro Político e Vídeo Popular” podem ser encontrados no blog. Entendemos que o esforço da sistematização é fundamental para avançarmos no processo de informação, formação e organização, assumindo a inerente relação entre política e arte, bem como defendendo a arte como um direito humano pelo qual nos fazemos seres poético-políticos!


Rafael Litvin Villas Bôas, Felipe Canova Gonçalves e Kelci Anne Pereira


O texto também foi publicado no site da Universidade de Brasília no dia 29/04/2024. Está disponível no endereço: https://noticias.unb.br/artigos-main/7303-terra-em-cena-teatro-audiovisual-e-artes-visuais-na-educacao-do-campo

 

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Território potente de estéticas políticas

 Era 27 de abril, uma tarde de sábado e o outono já trazia um clima seco e fresco mais agradável. Foi na casa de Preto Rezende, na “casa teatro” Lieta de Ló, no seu espaço sonho que é nosso, há muito tempo da comunidade. Foi feito por necessidade de ter chão para o trabalho que já existia há tempos. 1987. Esse é o ano de nascimento do seu grupo “Senta que o leão é manso”. Seu pai (em memória), disse: “Não aguento mais ver vocês trabalhando debaixo de pé de manga. Tá na hora de ter um espaço. Não é disso que você gosta?!” Foi ele, o pai que deu impulso, para lá em 2013 Preto Rezende erguer as paredes do sonho. Negociou um metro e meio da cozinha da mãe para colocar os espelhos do camarim, uma porta de cada lado, uma direto pra cena, a outra pra plateia. “Do jeito que a gente gosta de fazer teatro” Preto falou, “dividi o espaço meio a meio, 5 metros para o palco e cinco para a plateia”. Tudo bem distribuído, pensado e organizado com carinho.

O pessoal foi chegando, alguns rostos conhecidos. Uns chegavam com bacia de cuscuz, outros com garrafas de sucos. Bastante gente para uma oficina. Coisa bonita de ver é muita gente reunida. Preto deu boas vindas do seu jeito afetuoso, com frescor de jovem que realiza sonho. Ele brilha enquanto conta a história do mini teatro, não há dúvidas. Todos os olhos brilhavam pra ele de volta.

Na roda de apresentação uma grande trama foi se costurando com fios antigos e fortes. De certa forma impactante, pra quem é acostumado com história de cidade recente. Planaltina é a anciã do DF. Muitos já tinham assistido o trabalho da Cia Burlesca, muitos presentes eram formados pela Licenciatura em Educação do Campo da FUP/UnB, muitos já conheciam a Comuna Panteras Negras (MST), outros eram filiados ao PCdoB e muitos eram do grupo junino Arrasta Pé. Quem não conhecia alguma destas organizações, se sentia dentro porque vinha das outras. Uma manta firme e resistente feita de organizações com musicalidade, aprendizados e muitas histórias. Este era o chão firmado para a oficina.

A oficina de Teatro Político, ministrada por Julie Wetzel (Cia Burlesca e Latera), foi organizada pelo grupo LedoCênicas, recém-formado pelos estudantes da Licenciatura em Educação do Campo da FUP/UnB. Esta oficina aconteceu depois de mais duas, da Viviane Pinto sobre políticas públicas para cultura, e do Wellington Oliveira sobre Teatro do Oprimido. Pessoas estas, organizadas pela rede de trabalho e pesquisa do Coletivo Terra em Cena.

Ao longo da oficina, ao executarem exercícios e jogos, o grupo dialogava sobre as amarras do sistema capitalista e ao mesmo tempo sobre as perspectivas de resistência que são desenvolvidas nas suas organizações. É surpreendente perceber o tanto que os conhecimentos gerados pelas organizações comunitárias, acadêmicas, educacionais e populares se ramificam e se complementam. Uma riqueza imensurável quando se organiza pela educação e o teatro popular para debater e avançar com as pautas de forma complexa, dialética e didática.

O debate em relação às cenas foi a partir de várias camadas e pontos de vista, alcançando um nível de complexidade de muito aprendizado. Não poderia ser diferente. As cenas em si, trouxeram temas como: homofobia articulada com as igrejas pentecostais (cura gay), a condição precária do transporte público que causam danos físicos, sociais e econômicos na classe trabalhadora (motorista e usuários), e duas cenas sobre os desafios atuais para debater sobre o racismo. Estas duas últimas cenas geraram um debate caloroso sobre como podemos avançar com a formação da população brasileira para conscientização histórica da condição da população negra e seus saberes, levando em consideração a sua diversidade e especificidades.

Se o propósito da oficina fosse escolher um ponto de partida para desenvolver um tema complexo e desafiador para estudo coletivo, encenação e debate, a consciência negra foi o tema que falou mais alto.

Saímos com desejo de mais encontros; de trabalhar mais em cima destas cenas; de dar continuidade e aprofundar os debates; de trazer especialistas de outras áreas do conhecimento para contribuir com outras perspectivas dos temas abordados; de outras pessoas da oficina conduzirem outras atividades; de aproveitar os conhecimentos da quadrilha junina para fomentar o teatro e vice-versa; de manter encontros contínuos no Mini Teatro Lieta de Ló. Enfim, de se manter em movimento com aprendizado coletivo por meio do teatro político e popular.

Vida longa a todas as organizações que estiveram presentes fazendo esta rica troca de saberes!

Julie Wetzel







quarta-feira, 1 de maio de 2024

Escolas do Campo periurbanas no DF: da produção teórica à práxis pedagógica

 No dia 30 de abril de 2024, aconteceu o Dia do Campo no Centro Educacional (CED) Vendinha, da Coordenação Regional de Ensino de Brazlândia (CRE/Braz). “Os Desafios da escola do campo em perímetro periurbano” foi o tema do encontro que reuniu em torno de 50 pessoas entre professores/as, servidores da escola e coordenadores intermediários da CRE/Braz.

 A supervisora da escola, Ana Paula Campos, integrou a primeira turma do Programa Escola da Terra do Distrito Federal. Este Programa está atualmente com a sua terceira turma de formação, mantendo um vínculo perene entre a Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de Brasília e as Escolas do Campo da Secretaria de Educação do Distrito Federal.

Ana Paula relata que a escolha do tema para o Dia do Campo de 2024 se deu em diálogo com o artigo de conclusão de curso da primeira turma do Escola da Terra defendido em 2022 pelas professoras Beatriz Pereira, Julia Brito e Simone Rosa; com orientação do professor Felipe Canova (UnB), e co-orientação de Edinéia Alves (SEEDF). Na banca de avaliação do trabalho estiveram os professores Rafael Villas Bôas (UnB) e Cleide Souza (SEEDF).

O artigo de título “Escolas do campo periurbanas : contradições e movimentos potenciais de organização da classe trabalhadora do Distrito Federal” está disponível no endereço: https://bdm.unb.br/handle/10483/34483.

Em resumo, o artigo lança um olhar sobre escolas que encontram-se em contexto de campo periurbano no Distrito Federal. Apontam-se questões que impulsionaram tal fenômeno e as contradições presentes nesse espaço. Além disso, são analisadas experiências que articulam a relação campo e periferia com vistas na organização da classe trabalhadora e na potencialização da função social da escola. No artigo, conclui-se que o território das escolas do campo periurbanas representa uma potencialidade dilatada na construção de uma solidariedade de classe entre campo e cidade por meio da compreensão dialética das contradições internas e externas presentes nesses espaços.

O convite do CED Vendinha trouxe a possibilidade de diálogo entre teoria e práxis. A escola é composta por estudantes do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental vindos do Assentamento Vitória, que tem características periurbanas, das chácaras próximas da escola e, principalmente, das chácaras e bairros do município de Monte Alto-GO, uma vez que a escola está na fronteira do Distrito Federal com o Goiás.

Esse ponto já traz em si uma série de peculiaridades para realidade dessa escola, tal como a impossibilidade dos estudantes que não residem no Distrito Federal usufruírem do transporte escolar oferecido pela secretaria de educação. Questão amplamente pautada durante a primeira edição do Escola da Terra.

A escola tem avançado na construção do seu Inventário da Realidade Escolar, neste processo outras contradições emergiram, tais como o perigo enfrentando pelos estudantes ao atravessarem a BR 080 para retornar à suas residências. Essa, que é uma das vias de maior tráfego de caminhões do DF, não conta com nenhuma sinalização de perímetro escolar, tão pouco uma faixa de pedestre. A escola procurou soluções junto ao DER, mas não teve sua solicitação atendida. Tamanha é a insegurança que um ex-estudante chegou a ser atropelado na saída da escola e veio a óbito.

As professoras fizeram a experiência de filmar esse momento de travessia para composição do inventário.

Outra professora, moradora do município de Monte Alto, chama a atenção para o problema do aterro sanitário existente em sua comunidade, que em função do manejo inadequado provoca desconforto aos moradores além das implicações ambientais, considerando que a área é de destinação rural.

As observações do corpo docente da escola entraram em diálogo com as questões abertas pelo artigo, mostrando os desafios e peculiaridades que escolas do campo periurbanas enfrentam.

Por fim, colocou-se a seguinte questão: o Dia do Campo é um espaço de apreciação, socialização e aprofundamento nos debates e investigações da realidade, mas o que fazer a partir daí? Sem dúvida desvelar camadas da realidade já é em si um grande saldo do processo de práxis pedagógica. Mas como ir além? Como intervir?

A constatação de que existe uma limite na atuação da escola por diversos motivos, tanto pela sobrecarga de trabalho, quanto pela capacidade de pressão limitada, é ponto comum. A saída encontrada está no fortalecimento da relação escola e comunidade e a tática cabível para esse movimento é a pedagogia da alternância expressa pelo tempo escola e tempo comunidade.

A pedagogia da alternância, bem como o Dia do Campo, são garantidos pela portaria que institui a Política em Educação do Campo no Distrito Federal. Contudo, isso não garante que a mesma seja implementada. Os limites burocráticos, a dificuldade de compreensão das especificidades da Educação do Campo frente às grandes demandas da secretaria de educação fazem com que ainda não se tenha notícia de uma experiência robusta em alternância na educação básica do DF. Vale ressaltar, por fim, que muitas dessas dificuldades são convergentes ao que a LEDOC enfrenta no âmbito do ensino superior.

Simone Rosa