Era 27 de abril, uma tarde de sábado e o outono já trazia um clima seco e fresco mais agradável. Foi na casa de Preto Rezende, na “casa teatro” Lieta de Ló, no seu espaço sonho que é nosso, há muito tempo da comunidade. Foi feito por necessidade de ter chão para o trabalho que já existia há tempos. 1987. Esse é o ano de nascimento do seu grupo “Senta que o leão é manso”. Seu pai (em memória), disse: “Não aguento mais ver vocês trabalhando debaixo de pé de manga. Tá na hora de ter um espaço. Não é disso que você gosta?!” Foi ele, o pai que deu impulso, para lá em 2013 Preto Rezende erguer as paredes do sonho. Negociou um metro e meio da cozinha da mãe para colocar os espelhos do camarim, uma porta de cada lado, uma direto pra cena, a outra pra plateia. “Do jeito que a gente gosta de fazer teatro” Preto falou, “dividi o espaço meio a meio, 5 metros para o palco e cinco para a plateia”. Tudo bem distribuído, pensado e organizado com carinho.
O pessoal foi chegando, alguns rostos conhecidos. Uns chegavam com bacia de cuscuz, outros com garrafas de sucos. Bastante gente para uma oficina. Coisa bonita de ver é muita gente reunida. Preto deu boas vindas do seu jeito afetuoso, com frescor de jovem que realiza sonho. Ele brilha enquanto conta a história do mini teatro, não há dúvidas. Todos os olhos brilhavam pra ele de volta.
Na roda de apresentação uma grande trama foi se costurando com fios antigos e fortes. De certa forma impactante, pra quem é acostumado com história de cidade recente. Planaltina é a anciã do DF. Muitos já tinham assistido o trabalho da Cia Burlesca, muitos presentes eram formados pela Licenciatura em Educação do Campo da FUP/UnB, muitos já conheciam a Comuna Panteras Negras (MST), outros eram filiados ao PCdoB e muitos eram do grupo junino Arrasta Pé. Quem não conhecia alguma destas organizações, se sentia dentro porque vinha das outras. Uma manta firme e resistente feita de organizações com musicalidade, aprendizados e muitas histórias. Este era o chão firmado para a oficina.
A oficina de Teatro Político, ministrada por Julie Wetzel (Cia Burlesca e Latera), foi organizada pelo grupo LedoCênicas, recém-formado pelos estudantes da Licenciatura em Educação do Campo da FUP/UnB. Esta oficina aconteceu depois de mais duas, da Viviane Pinto sobre políticas públicas para cultura, e do Wellington Oliveira sobre Teatro do Oprimido. Pessoas estas, organizadas pela rede de trabalho e pesquisa do Coletivo Terra em Cena.
Ao longo da oficina, ao executarem exercícios e jogos, o grupo dialogava sobre as amarras do sistema capitalista e ao mesmo tempo sobre as perspectivas de resistência que são desenvolvidas nas suas organizações. É surpreendente perceber o tanto que os conhecimentos gerados pelas organizações comunitárias, acadêmicas, educacionais e populares se ramificam e se complementam. Uma riqueza imensurável quando se organiza pela educação e o teatro popular para debater e avançar com as pautas de forma complexa, dialética e didática.
O debate em relação às cenas foi a partir de várias camadas e pontos de vista, alcançando um nível de complexidade de muito aprendizado. Não poderia ser diferente. As cenas em si, trouxeram temas como: homofobia articulada com as igrejas pentecostais (cura gay), a condição precária do transporte público que causam danos físicos, sociais e econômicos na classe trabalhadora (motorista e usuários), e duas cenas sobre os desafios atuais para debater sobre o racismo. Estas duas últimas cenas geraram um debate caloroso sobre como podemos avançar com a formação da população brasileira para conscientização histórica da condição da população negra e seus saberes, levando em consideração a sua diversidade e especificidades.
Se o propósito da oficina fosse escolher um ponto de partida para desenvolver um tema complexo e desafiador para estudo coletivo, encenação e debate, a consciência negra foi o tema que falou mais alto.
Saímos com desejo de mais encontros; de trabalhar mais em cima destas cenas; de dar continuidade e aprofundar os debates; de trazer especialistas de outras áreas do conhecimento para contribuir com outras perspectivas dos temas abordados; de outras pessoas da oficina conduzirem outras atividades; de aproveitar os conhecimentos da quadrilha junina para fomentar o teatro e vice-versa; de manter encontros contínuos no Mini Teatro Lieta de Ló. Enfim, de se manter em movimento com aprendizado coletivo por meio do teatro político e popular.
Vida longa a todas as organizações que estiveram presentes fazendo esta rica troca de saberes!
Julie Wetzel
Nenhum comentário:
Postar um comentário