Em julho de 2022, durante o primeiro semestre letivo, no campus de Planaltina da Universidade de Brasília, conseguimos retomar as aulas práticas de teatro na Licenciatura em Educação do Campo, após o período de afastamento social necessário ao combate à pandemia. Trabalhei com Adriana Gomes, professora voluntária da LEdoC, egressa do curso e doutoranda do programa de pós-graduação em Artes Cênicas da UnB.
Aulas práticas de trabalho com a linguagem teatral não foram possíveis de ser realizadas de forma virtual, pois é necessário o conhecimento da dinâmica dos exercícios e jogos, e como dizia Augusto Boal, só aprende quem ensina, ou seja, é necessário praticar com o olhar atento para aprender o passo a passo, a didática do processo, para que seja possível, na sequência, reproduzir a experiência nas escolas quilombolas e do campo ou nas comunidades dos territórios quilombolas e de assentamento.
(Jogo teatral hipnotismo colombiano)
Ainda que com etapa compacta, conseguimos iniciar a discussão com a turma – composta por dez mulheres e um homem, do quilombo kalunga, de acampamentos e núcleos rurais de Goiás e do DF – sobre o sentido ampliado das manifestações culturais que compreendemos dentro do amplo campo das artes cênicas. Para isso, é preciso estabelecer a diferença do teatro como arte do espetáculo executada em edifícios teatrais ou em interface com a televisão, sob os termos da indústria cultural, com as formas de cultura, arte e sociabilidade existentes nas comunidades.
O tal teatro, distante, aquele que a maioria das pessoas do campo e quilombos dizem que nunca foram, nas cidades, ver as peças de grupos profissionais, de repente é percebido como algo que existe, próximo, como a sussa, a capoeira, a dança da peneira, as folias, as festas, as romarias. Nos estudos de artes cênicas a etnocenologia teve papel de extrema importância para ampliação do campo epistemológico do significado das manifestações teatrais.
Uma das estudantes falou em “brincadeira” e adentramos no debate sobre o lúdico, sobre as formas de fabulação e na roda improvisamos, desautomatizamos o repertório corporal de nossos corpos de trabalhadoras e trabalhadores. No exercício “Quantas horas” em que reagimos fazendo gestos do que costumamos fazer no horário que é mencionado por quem conduz o jogo, as tarefas manuais domésticas ou da roça se alternavam com as de leitura e escrita. É a educação do campo: intelectuais do campo e do quilombo, que plantam o que produzem, que trabalham em suas casas, sistematizam os conhecimentos de suas comunidades e se apropriam do que a universidade pública tem para ensinar.
A turma é promissora, há pessoas de acampamentos, com pouca idade mas grande trajetória de luta pela reforma agrária em movimentos sociais, há pessoas de núcleos rurais e, como sempre, a grande maioria vem das comunidades do quilombo kalunga, de três cidades: Cavalcante, Teresina e Monte Alegre. De locais em que há egressas e egressos formados na Ledoc que já passaram pela área de linguagens e por todas as disciplinas de teatro. Há grande possibilidade de que em Tempo Comunidade possamos retomar o trabalho de formação de grupos nas escolas e comunidades ou de fortalecer àqueles e àquelas já existentes.
Encerrada a etapa de Tempo Universidade, começa o momento do trabalho em Tempo Comunidade. Uma das tarefas é a leitura e reflexão sobre a experiência de Augusto Boal com o trabalho no Peru com o método de Alfabetização Integral (Alfin), texto que compõe um dos capítulos do livro “Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas”. A outra tarefa é a socialização dos conhecimentos adquiridos na disciplina nas comunidades e ou escolas, seja por meio dos estágios, seja por meio de oficinas. Na disciplina “Pedagogia do Teatro” retomaremos o trabalho em Tempo Universidade, com o compartilhamento dos pontos altos e limites do trabalho desenvolvido em Tempo Comunidade. A turma toda está ingressando no Terra em Cena, e desse processo, esperamos que novos grupos possam nascer e breve!
Rafael Villas Bôas
Professor da disciplina OBAC e coordenador do Terra em Cena
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