Apesar do processo de gentrificação do bairro Palermo, em Buenos Aires
(Argentina), lá persiste um espaço de dinamização da cultura política, do
direito à alimentação e da economia autogestionária de trabalhadores/as. Neste
espaço, pertencente ao Estado, conquistado pela vizinhança para a
realização das assembleias populares em 2001 e mantido pela luta do Movimento
Popular La Dignidad, se constituiu um território muito instigante de
resistência popular pela via da arte: a Escola de Teatro Político de Buenos
Aires, integrada ao Teatro Popular La Otra Cosa.
A escola nasceu há 4 anos e desde então segue forte,
gerida por meio de assembleias gerais nas quais tomam parte
estudantes, professores/as e graduadas/os, alguns dos quais são
militantes de La Dignidad. O desafio de tal instância de decisão é
levar a cabo, no cotidiano da Escola, um método e uma concepção de trabalho
capaz de articular arte e política no processo de luta e de emancipação dos/as
trabalhadores.
Os estudantes da Escola são jovens e adultos provenientes
de movimentos populares, universidades, trabalhadores autônomos e educadores de
escolas públicas, os quais semanalmente se reúnem, durante dois anos,
para refletir e vivenciar o trabalho cultural com teatro, alternativo ao
da indústria cultural.
Em seu currículo, a formação da Escola articula a dimensão estética à ética,
colocando em realce a ideia de que o componente político emancipatório
não pode se separar da(s) forma(s) que a ele corresponda(m). Nesse
sentido, o percurso formativo proposto passa por uma diversidade de disciplinas
e atividades.
1o ano: aulas de Teatro do Oprimido, Teatro épico de Bertolt
Brecht, História do teatro político-disciplinas fechadas para estudantes.
Clown, Seminário de Atuação e Canto Comunitário-aberto a toda a
comunidade e demais alunos que não os do 1o ano.
2o ano: teatro do oprimido (aprofundamento - teoria e prática
de coringagem), educação popular, montagem (síntese do que se aprende em outras
disciplinas é feita nesta disciplina).
Transversal às duas turmas se desenvolve a disciplina de
teatro comunitário, realizada na Praça do Bairro Rivadavia, (“Bajo Flores”) com
a participação de moradoras da comunidade boliviana, bem como as mostras
teatrais da Escola.
Além disso, são desenvolvidas atividades de formação em marchas e atos públicos
em defesa dos direitos humanos.
A cobertura dos custos da escola é realizada mediante
diferentes e conjugadas estratégias. Na primeira assembleia deste foi
pautado que os/as estudantes pagassem uma contribuição mensal de 500 pesos
argentinos, mas a decisão final foi que só pagam aqueles que possuem
condições econômicas favoráveis. Neste contexto, se nota um
empenho de toda a comunidade da escola para gerar outras fontes de
ingresso, como por exemplo, preparar e vender alimentos na cantina do teatro
durante as mostras e festivais.
É importante assinalar que os professores da Escola atuam
voluntariamente, impulsionados pelo seu compromisso com o teatro e militância.
Estudantes que se formaram na primeira turma da escola hoje integram a equipe
docente, formando duplas pedagógicas junto com professores mais experientes.
No início de novembro os/as companheiros/as da Escola de
Teatro Politico de Buenos Aires acolheram uma das participantes do Terra em
Cena/Cenas Camponesas, para com ela compartilhar no que consiste a
experiência da Escola, que, assim como o programa de extensão brasileiro,
também integra a rede Nuestra América. Por meio dos diálogos e vivências
estabelecidos na ocasião, evidenciou-se a necessidade de avançarmos no processo
de um intercâmbio da Rede Nuestra América, inclusive para fortalecer o
horizonte de sentido e consciência possibilitado pelo teatro político, tão
necessário para fazer frente ao refluxo da democracia na América Latina e
destacadamente no Brasil.
Kelci Anne Pereira – Professora da UFPI Campus Bom Jesus
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