INTEGRANTES

O Coletivo Terra em Cena é uma articulação de coletivos de teatro e audiovisual que atuam em comunidades da reforma agrária e quilombolas e em meio urbano. É composto por professores universitários da UnB e da UFPI, e da rede pública do DF, por estudantes das Licenciaturas em Educação do Campo da UnB e da UFPI/Campus de Bom Jesus e por militantes de movimentos sociais do campo e da cidade. O Terra em Cena se configura como programa de extensão da UnB, com projetos de extensão articulados na UnB e na UFPI, e como grupo de pesquisa cadastrado no diretório de grupos do Cnpq. Um dos projetos é a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do DF (ETPVP-DF) que integra a Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político e Popular Nuestra America.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Contradições produtivas no Teatro Jornal e Teatro Fórum do GTO/Montevideo: eficácia do teatro de agitprop e antinomia estética na proposta de Teatro Fórum

Na quarta edição do Óprima (www.oprima.wordpress.com), realizada na cidade do Porto, em Portugal, o coletivo GTO de Montevideo (Uruguai) apresentou uma peça com duas partes, motivada pela campanha em torno do plebiscito da proposta de rebaixamento da maioridade penal, no Uruguai.
Se apresentando como um coletivo de teatro político o grupo exibiu um filme de 7 minutos em que mostram seu envolvimento na campanha do plebiscito, que resultou na vitória da posição contrária ao rebaixamento, por uma margem pequena de votos.
Para tratar da equação reacionária “desigualdade social + encarceramento em massa = violência/paz e lucro” o grupo encara de frente um tema contemporâneo da maior dificuldade: a relação entre sociedade de consumo, o papel dos meios de comunicação de massa na produção da ideologia e a disseminação da intolerância. Para fazer isso o grupo opta pela forma do Teatro Jornal, e coloca em cena muitos dos procedimentos tradicionais do teatro de agitação e propaganda: o coro, o narrador, a ironia como gesto de distanciamento do ator e seu personagem, e dele com o público... A cena tem impressionante agilidade, e foi desenvolvida para ser apresentada em qualquer espaço, num teatro convencional ou na rua.
Uma das formas de agitação e propaganda mais utilizadas no período áureo dos coletivos auto-ativos de agitprop da União Soviética e da Alemanha anterior à ascensão do partido nacional-socialista, e posteriormente recuperada por Augusto Boal enquanto dirigia o Teatro de Arena, já nos anos de chumbo, o Teatro Jornal é recuperado e se mostra muito eficaz diante da demanda. Muitos dos presentes no 4º Óprima compartilham da opinião de que foi a melhor cena do gênero que já viram. É também minha opinião.
Na segunda parte é apresentada uma cena de Teatro Fórum. Uma república de jovens, em que um dinheiro coletivo some e a proprietária da casa, também jovem, acusa o rapaz que veio da periferia. O Fórum é dado entre os habitantes da casa, sem a presença do jovem acusado. Um conflito de classe, épico, portanto, embora abordado num espaço e universo dramático, submetido às leis do drama. A consequência para a apresentação do grupo é a queda de ritmo, da primeira para a segunda cena, e de abrangência do material problematizado.
Ao que tudo indica, para enquadrar o tema político da campanha numa cena de Teatro Fórum o coletivo submeteu o material às regras do drama, reduzindo o conflito à esfera do “lar”, entre quatro paredes, criando um conflito intersubjetivo entre os personagens, mediado pelo diálogo como veículo da ação. Possivelmente, o grupo adequou o material ao que compreendeu que seriam as regras necessárias para a viabilidade do fórum após a primeira encenação. Regras essas inerentes ao jogo dramático, que são de alguma forma, de fato, pilares da estrutura do Teatro Fórum, embora esse formato disponha também de muitos elementos épicos, como a presença do curinga como uma espécie de narrador-agitador, a quebra da quarta parede ilusória, a transformação do público num coletivo ativo e propositivo, etc.
O impasse a que o grupo chegou se chama tecnicamente antinomia estética, que significa a submissão do material de um gênero, no caso o épico, à forma de outro gênero, naquela peça de teatro fórum, o dramático. O conteúdo social da peça não coube no formato muito restrito do drama. Mas, encaixou perfeitamente na opção formal de agitprop do Teatro Jornal, trabalhada com esmero pelo coletivo.
Da maneira franca e aberta como cabe aos atores de teatro político, logo na apresentação o grupo expôs o mal estar com a cena de teatro fórum, em processo de construção, permitindo ao público que se colocasse mais atento diante da estrutura da cena, e não apenas aos seus efeitos. O retorno foi produtivo, e nos dias seguintes do 4º Encontro Óprima (abril de 2015) a peça do GTO Montevideo foi longamente debatida, em espaços coletivos e em momentos informais, permitindo aos trabalhadores de teatro, profícua troca de experiências, não apenas de seus acertos, mas sobretudo, dos limites que encontramos no trabalho cênico.
O impasse a que o GTO Montevideo chegou é semelhante ao que a Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré chegou em 2004, quando estava em processo de formação com Augusto Boal e equipe do Centro do Teatro do Oprimido. Algumas peças que os militantes do MST construíam naquele momento, como “Nem tudo que se planta colhe” e “A peleja de boi bumbá contra a águia imperiá” tratavam de problemas amplos historicamente, que envolviam agentes coletivos, classes sociais, e exigiam representações alegóricas dos sujeitos coletivos em conflito. Resultado: essas peças não davam fórum, ou seja, a estrutura das peças não permitia que o público entrasse em cena para propor uma forma de resolver o conflito a partir da intervenção de um personagem.
No caso de “Nem tudo que se planta colhe” tratávamos de mais de quatro décadas em cena, expondo que a causa do problema atual estava na Revolução Verde operada na década de 1950 e 1960, em conluio com regimes autoritários de poder e com o desenvolvimento da Indústria Cultural massiva. Logo, a matéria épica não permitia a redução às leis do drama.
Tínhamos a impressão que era um problema do coletivo, de capacidade técnica e estética de nossos quadros. Porém, quando convidamos a professora Iná Camargo Costa para nos instruir na teoria dos gêneros, segundo estudo de Anatol Rosenfeld, percebemos que o problema era de forma, e da opção que fazíamos quanto aos procedimentos estéticos para abordar os materiais sociais que nos propúnhamos a transformar em peças.
Ao percebermos que o problema não era nem do teatro fórum em si, nem da capacidade dos militantes do MST, passamos a notar no trabalho com Augusto Boal, e equipe do CTO, que existem muitas potencialidades no trabalho com o Teatro Fórum, no aprofundamento de questões que permitem a ação imediata diante da situação de opressão, como em casos de violência doméstica, racismo, formas de abuso de poder, etc. O debate de um problema com o público, por meio da cena, com a transformação de espectadores em atores, tem o poder de elevar a cultura política daquele coletivo, em torno das questões debatidas, na medida em que confere visibilidade a temas que são invisibilizados pelo preconceito, pelos tabus, pelas leis invisíveis da ideologia e da hegemonia. Quando um coletivo reconhece algo como um problema comum, e se dispõe a encenar meios de lidar e resolver a questão, há uma possibilidade concreta de alteração da cultura política, mesmo que em nível local, relacionada ao tema.
Certamente, não atribuímos ao Teatro Fórum mais poderes do que a ação teatral pode ter, cientes de que é na luta cotidiana que estruturas ideológicas, e padrões de relações de poder são alterados, desconstruídos. Mas, reconhecemos o poder que a ação teatral tem como instrumento de intervenção, de contestação dos pilares ideológicos que dão sustentação às formas de exploração e opressão.
A compreensão do GTO Montevideo de que se trata de um trabalho em processo, que foi engajado numa campanha vitoriosa, é um exemplo muito interessante de como um coletivo de teatro político adquire experiência no compasso da luta. Para nós, de coletivos de teatro político de outros países, envoltos em tantos temas polêmicos e com ameaça de regressão em tantos debates de cunho econômico, político e cultural, notar como um coletivo de teatro uruguaio teve o faro para perseguir a luta, e utilizou seus recursos de trabalho para dar combate ao problema, pode ser altamente inspirador.

Brasília, 18 de maio de 2015.
Rafael Villas Bôas
Coletivo Terra em Cena e Residência Agrária da Universidade de Brasília (UnB)


*** A participação na atividade do 4º Óprima foi viabilizada com financiamento do projeto 406657/2012-2 projeto Residência Agrária da UnB: matrizes produtivas da vida no campo, com recursos do Pronera(Incra/MDA) e CNPQ. E terá como contrapartida da articulação a vinda de grupos e assessores que participaram do 4º Óprima para o II Seminário Internacional Teatro e Sociedade, de 03 a 06 de agosto de 2015, como atividade constituinte da última etapa de Tempo Universidade do Residência Agrária da UnB.

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