Brigada Semeadores
Encontro dia 28/10/2009
Leitura e discussão da
peça Mutirão em Novo Sol
Protocolo
Mutirão em Novo Sol:
Rompendo a Sucessão
de Presentes Absolutos
Por Rayssa Aguiar Borges
Umas das características da forma dramática é a seqüência de presentes absolutos. Em cena, só
acontece o tempo presente, quando se torna passado, não mais está em cena. Também não há
passado e futuro fora da peça, ou seja, fora de um desses presentes absolutos.
Em suma, ao drama absoluto só cabem
histórias presentes, suas razões não se encontram no passado e suas ações (ou
soluções) não se projetam para o futuro.
Em Mutirão em Novo Sol, presente e
passado estão intercalados, e cada cena presente evoca cenas passadas. Alguns
dos argumentos proferidos no presente têm no passado sua razão, buscam no
passado sua justificativa ou legitimação – como o argumento do Coronel
Porfírio, de que tem o direito à propriedade das terras porque herdou-as, no
passado, de seu pai, de seu avô, de seu bisavô...
A história de Mutirão em Novo Sol não começa
quando começa a peça, começa antes até mesmo dos retrocessos[1]: o
contrato entre Porfírio e os Lavradores já havia sido feito, os lavradores já
estavam trabalhando a terra. Tampouco termina quando termina a peça. O final,
que acontece em tempo presente (última cena do Tribunal), indica que agitação e
luta continuarão, assim como as medidas do Governo e as forças militares também
não cessarão. A última fala do Representante do Governo projeta a ação para o
futuro: medidas que o governo tomará;
forças militares que serão
mobilizadas... A fala anterior de Roque também lança perspectivas para o futuro,
no futuro encontra-se a liberdade: “A nossa lei há de libertar todos os
trabalhadores do mundo. [...] essa gente não pára nunca”.
O conflito não se resolve em cena, um procedimento bem brechtiano, posto
que não vale resolver o conflito na peça e não resolvê-lo na vida. A obra não
deve confortar-nos e sim instigar-nos a prosseguir, a lutar, a transformar.
Mais valem, no teatro, os problemas não resolvidos, os conflitos não
apaziguados, os finais não solucionados.
Aqui, a cena final (em tempo presente) está prenhe de futuro, e a cena
inicial (também em tempo presente) está saturada de passado. Passado, presente
e futuro não se desamarram, mas se entrelaçam cada vez mais, em um emaranhado
dialético. E assim rompe-se a sucessão de presentes absolutos.
Romper a sucessão de presentes absolutos aqui quer dizer mais do que
intercalar dialeticamente cenas de “Tribunal” e “Retro”. Quer dizer romper com
a “tradição de presentes” no teatro brasileiro.[2]
Quer dizer romper com a “tradição de herança” tanto no teatro brasileiro – que
por muito tempo herdou formas, procedimentos, textos e até encenadores – quanto
nas terras brasileiras, nas terras herdadas do pai, do avô, do bisavô de tantos
“Porfírios” – posto que esta peça consista na formalização estética de um
levante que aconteceu de fato. Eis aqui um rompimento estético de grande valor.
Brasília, 30 de outubro de 2009.
[1]
Aqui é necessário fazer um adendo, pois a história de Mutirão em Novo Sol
começa mesmo antes da redação da peça, começa em Jales, no ano de 1959, com um
levante camponês que ficou conhecido como “Arranca Capim” e cujo depoimento de
uma das lideranças do movimento dará início a escrita da peça, como uma
sistematização estética do levante, como uma formalização estética daquela
experiência.
[2]
Esse comentário é feito aqui sem a realização do devido resgate histórico da dramaturgia
nacional, contudo, à primeira vista, creio que o procedimento de idas e vindas
ao passado, materializado em cena e não apenas pelo diálogo, tenha sido pouco
utilizado até sua incorporação pelo teatro político do fim da década de 1950,
início da década de 1960.
LEdoC, Projeto de Extensão TERRAemCENA
e Brigada Semeadores
LEdoC, Projeto de Extensão TERRAemCENA
e Brigada Semeadores
Mutirão
em Novo Sol
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