CANÇÃO DO ARRANCA CAPIM COLONIÃO
Mutirão em Novo Sol
Arranca, arranca, arranca...
Arranca o capim
Arranca o capim
Arranca o capim
Colonião


"A terra está esperando
colonião para o meu gado pastar. Está esperando o corpo de quem desobedecer. No
armazém só entra defunto. Essa é terra de gado, não é para dar meação. Não é
para vocês fazerem filho, não é pra vagabundo no fim de safra me dar colheita
minguada. É gado. Gado de quatro patas, que de duas só não me interessa – não
se pode vender. Mil cabeças soltas numa terra limpa, coberta de colonião, me
rendem mais que dez mil esqueletos como você, caboclo sujo. Querem terra?
Atravessem o rio, do outro lado tem muita terra. Se não tiver, vão mais longe.
Quanto mais longe melhor. Vocês não servem pra nada, só pra chorar de fome.
Quem chora não pode enriquecer o Brasil. Eu não. Eu enriqueço a minha terra.
Sou patriota, graças a deus. Frigorífico me pede carne eu dou carne. Esse gado
sabe pra onde vai? Pra Europa. Na França se come carne que o Coronel Porfírio
deu ao Brasil. Isso é dinheiro, isso é progresso. Gente como vocês não faz
isso. Gente como vocês tem que ir morrer bem longe que é pra não atrapalhar o
progresso."
(Mutirão em Novo Sol - 1962)
"Não faz mal. Amanhã
cedinho vou devolver as pancadas para aquele capataz dos infernos. Acabo com a
raça dele."
"Vou buscar à força o que é meu.
Se não tiver feijão, semente, se não tiver armazém, não faz mal. Mas o prejuízo
que ele me deu, ele toma de volta e aí eu escapo pelo mundo."
"Que adianta ficar falando? Que adianta ficar
sentado? Enquanto esperamos a comida vai apodrecendo no armazém do coronel."
"O Coronel prometeu bala. Ele já está fazendo o
que prometeu. A jagunçada já começou a plantar o colonião."
(Mutirão em Novo Sol - 1962)
"Há vinte anos trabalho no cabo da
enxada e não tenho vantagem pra contar. A vida inteira curvado em cima da terra
vendo as espigas. A espiga não é minha. Eu fiz essa terra produzir, mas a terra
não é minha. Do chão, peguei o barro e catei palha, fiz casa pequena de sapé. A
casa ficou pro seu Coronel. De meu só tenho a fome e a dor nas costas"
(Mutirão em Novo Sol - 1962)
"Eu tive uma filha também. Um dia o patrão me
mandou embora. Eu recusei obedecer. Combinamos lá em casa passar fome
voluntária, esperando a colheita tardia. Mas a menina precisava crescer. No
fundo do quintal tinha um mamoeiro. Pra
ela a mulher dava mamão fervido com água e sal. O danado do coronel descobriu,
mandou cortar o mamoeiro, pra mode a gente procurar comida longe da fazenda.
Mas nós tinha combinado esperar, esperamos. Minha filha morreu no primeiro dia
de colheita."
(Mutirão em Novo Sol - 1962)

"Olhe, minha gente, nós não vamos esperar dez
dias, não. Vamos falar pela última vez. Desde que a gente nasce vai se
acostumando a ser covarde. Meu pai me mandava: “na frente do seu Coronel, tira
sempre o chapéu”. Eu tirava o chapéu mesmo quando não tinha nada na cabeça. Enquanto
meu velho falava baixinho e murcho, eu ficava olhando o chão, o pé do homem, a
espora: “sim, seu Coronel, vosmicê é que manda, vosmicê é quem sabe, vosmicê é
Coronel”. [Agora não tem mais paz. Não está no tempo de “vosmicê”]. Agora o
Coronel olhou para mim eu olho para ele também. Patrão vai mandando a gente
embora e nós vamos recuando? Tudo de crista baixa? Não. Vamos, gente! Vamos ser
homem um pouco. [Tá errado, não é assim que se faz. A gente sempre passou a
vida recuando.] E o homem veio atrás de nós comprando terras. Ninguém sabe de
quem comprou porque isso tudo era mato sem dono. Veio pondo no papel que a
terra era dele, e agora está escrito. Mas quem escreveu foi ele. E nós viemos
preparando o terreno e dando invernada para ele plantar colonião. Recuamos
tanto que estamos na beira do rio. Meu aviso é o seguinte: quem quiser
continuar covarde vai ter que nadar para o outro lado, para Mato Grosso. Porque
daqui homem macho nenhum vai sair. Vou falar com o Juiz. E se ele não tiver
resposta, nós vamos ter. Vamos buscar o que é nosso no armazém!"
(Mutirão em Novo Sol - 1962)
"Aqui não adianta ser bom, minha gente. Pra ser
bom é preciso ter dinheiro. É preciso sustentar a polícia. Quem é que paga a
polícia? Seu Coronel papa-terra. Então, a polícia é boa para ele. Se tiver que
dar uns tiros, no seu Coronel não vai dar, porque ninguém quer perder o
ordenado. Quem é que paga o Juiz? O Coronel. A justiça é boa pra ele. Pra nós,
a única coisa que seu Coronel pagou foi a construção da cadeia."
(Mutirão em Novo Sol - 1962)



"Eu já fui condenado, mas não perdemos a luta. Os
lavradores sabem que a terra é deles e de mais ninguém. Eu sei o que é a
cadeia, sei quanta pancada vou levar, sei quanta fome vou passar, sei quanta
sede vou sentir. Eu sei de tudo e os lavradores também sabem que estão juntos e
que juntos ninguém pode com eles. Vocês sabem que não podem destruí-los. Porque
são eles os que trabalham e, se eles não existissem, vocês tinham que
trabalhar, tinham que pegar no cabo do guatambu e o juiz tem mãos finas, o
delegado e o coronel têm mãos por demais finas. Vocês sabem que sem nós vocês
não existiam. A lei condenou e a lei é certa e justa, mas é certa e justa para
quem a fez. Nós ainda não fizemos a nossa lei. E quando fizermos a nossa lei
também será certa e também será justa. Mas as duas não são iguais. A de vocês é
a lei de quem explora, a nossa é a lei de quem trabalha. A de vocês me condena,
a nossa me há de libertar. A nossa lei há de libertar todos os trabalhadores do
mundo. Senhor Juiz, senhor representante, essa gente não pára nunca. (Os soldados prendem Roque enquanto os
lavradores assistem o julgamento e o aplaudem. O arranca capim continua e sua
canção também)"
(Mutirão em Novo Sol - 1962)
“Viver é lutar.”
Gonçalves Dias [“Canção do Tamoio”].
“Todos sabemos
que a nossa época é profundamente bárbara, embora se trate de uma barbárie
ligada ao máximo de civilização. (...) [Hoje] já não é admissível a um general
vitorioso mandar fazer inscrições dizendo que construiu uma pirâmide com as
cabeças dos inimigos mortos, ou que mandou cobrir as muralhas de Nínive com as
suas peles escorchadas. Fazem-se coisas parecidas e até piores, mas elas não
constituem motivo de celebração.” Antonio Candido [“O direito à literatura”. In:
Vários escritos. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas Cidades/Ouro sobre Azul,
2008, p.170-171].
“Pelos nossos
mortos nenhum minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta”.
"De um lado,
muitos Josés, Marias, Adelinos, Hereniltons, Marcos, lutando para preservar o
que ainda resta das nossas matas, contra o contrabando de madeira, a produção
ilegal de carvão, a concentração de terras. São indígenas, quilombolas,
pomeranos, Sem Terra, ribeirinhos, pescadores, que muitas vezes precisam expor
suas vidas, já que o que defendem não corresponde aos interesses econômicos e
hegemônicos do país. Interesses esses que são defendidos pelos ruralistas, pela
direita, pelo capital, sujeitos capazes de destruir não só a floresta, mas a
vida humana.
Choramos quando
vemos árvores atrás de árvores sendo derrubadas. Mas é difícil dizer o que
sentimos quando pessoas são mortas por defenderem a vida. Atos bárbaros como
esse despertam forte indignação. Jamais poderíamos permitir que acontecessem, e
jamais podemos achar natural e nos calar.
Se contra nossas
palavras, nossas denúncias, nossos gritos que reclamam justiça; se contra
nossas ações, que, por defenderem a vida, dizem – chega a destruição do planeta
– gerada pelo desmatamento, pela poluição, pela destruição das nossas riquezas,
e causado pela ambição do homem; se contra tudo isso não há argumentos
racionais, eles tentam nos calar roubando a nossa vida.
Mas nós somos
povo, somos muitos, temos força, continuaremos levantando as nossas bandeiras,
e não deixaremos passar em vão a morte de cada trabalhador e de cada
trabalhadora que lutar contra esse sistema que nos maltrata de tantas formas,
de todas as formas possíveis.
Não ficaremos em
silêncio, nossa vida é luta."
(Palavras de Carina
Adriana Waskievicz, educanda hoje
graduada da primeira turma do curso de Licenciatura em Educação do Campo da
UnB, em parceira com o Instituto Técnico de Pesquisa e Capacitação da Reforma
Agrária (ITERRA))
MANIFESTO
DE EDUCADORES E ESTUDANTES CONTRA A VIOLÊNCIA E A MORTE NO CAMPO BRASILEIRO: http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N10898
Brigada Semeadores (MST-DF/Entorno) apresenta intervenção a partir da peça Mutirão
em Novo Sol no Instituto Federal de Brasília - IFB (março de 2011)
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